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Cinemas africanos: cosmopoéticas da descolonização e do comum

Ensaio em torno de uma hipótese – a emergência histórica dos cinemas africanos e sua contemporaneidade são indissociáveis de uma reivindicação do direito de olhar, de narrar e de imaginar o mundo – e de alguns filmes: Afrique sur SeineSoleil ÔTouki BoukiLa vie sur terreTerra sonâmbula e Pumzi.

Este texto serviu de base para minha participação na mesa de abertura do Seminário Olhares sobre o Cinema de África e da Afrodiáspora, que ocorreu nos dias 29 e 30/09/2015 na PUC-Rio.

[Atualização de 01/04/2017: uma versão revisada e ampliada deste texto foi publicada na Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, no dossiê “Africanidades”, com o título “Cosmopoéticas da descolonização e do comum: inversão do olhar, retorno às origens e formas de relação com a terra nos cinemas africanos”.]

Gostaria de começar com uma afirmação que deve ser entendida, em primeiro lugar, como uma hipótese, no sentido metodológico convencional: uma ideia que seria preciso verificar ou refutar por meio de pesquisa. Ao mesmo tempo, e aqui a experiência da hipótese transborda seu sentido metodológico convencional em direção a uma espécie de deriva esperançosa, da qual seria preciso explorar sua consistência de sonho comum, de sonho partilhado, essa afirmação é uma aposta, um salto, talvez uma queda, cuja vertigem desejo tanto experimentar quanto compartilhar. Gostaria de começar dizendo, então, que a emergência histórica dos cinemas africanos e sua contemporaneidade são indissociáveis de uma reivindicação do direito de olhar, de narrar e de imaginar o mundo.

Para testar essa hipótese, proponho, em primeiro lugar, um breve percurso histórico, que não é muito mais do que o esboço de um itinerário, num mapa ainda por fazer da diversidade de sentidos estéticos e políticos que caracteriza os cinemas africanos. Quando Mamadou Sarr e Paulin Vieyra filmam Afrique sur Seine, em 1955, o gesto fundamental da reivindicação do direito de olhar, de narrar e de imaginar o mundo a partir de alguma África e de alguma africanidade aparece sob a forma de uma inversão. De modo significativo, a experiência da diáspora é tanto uma das condições de possibilidade do filme quanto uma perspectiva que sua trama constrói diante de Paris, da luta pela independência e do mundo por vir (como revela o uso do contraponto musical africano sobre as imagens das paisagens urbanas de Paris).

Em Afrique sur Seine (1955), inversão do olhar é tanto uma forma de reivindicar o direito de olhar quanto um modo de deslocar o universalismo a que aspira o discurso humanista europeu.

Impossibilitados de filmar no território colonial, ainda dominado pelos franceses (que proibiam que africanos filmassem nas colônias), Vieyra, Sarr e os estudantes do Institut des Hautes Études Cinématographiques (atual Fondation européenne des métiers de l’image et du son, FEMIS) buscam a África no famoso rio Sena e, ao mesmo tempo, revelam um olhar sobre Paris. Um dos gestos fundamentais dos cinemas africanos é a inversão do sentido do olhar que define a experiência colonial, assim como o racismo que a atravessa – “Olha, um preto!”, como na cena paradigmática explorada por Frantz Fanon em Pele negra, máscaras brancas. É, ao mesmo tempo, uma inversão do olhar racista, do olhar colonizador e do olhar etnográfico, em suas diferentes características, que constitui Afrique sur Seine.

Afrique sur Seine (1955), de Paulin Vieyra e Mamadou Sarr.

Visto sobre o pano de fundo dos usos pedagógicos a que os europeus destinaram o cinema no espaço das colônias, conforme a pretensão humanista civilizatória que alimenta a violência do colonialismo, assim como dos usos etnográficos que, embora eventualmente críticos, participam da estrutura da colonialidade, Afrique sur Seine perturba tanto a hierarquia do olhar que opõe o sujeito ocidental e o objeto africano quanto a economia simbólica que converte a África numa reserva de imaginário do Ocidente. O que está em jogo na inversão e no desejado deslocamento da economia do olhar característica do projeto colonial é tanto a busca da descolonização quanto as possibilidades de criação de um mundo comum – o que gostaria de denominar, aqui, cosmopoéticas, para lembrar que todo cosmopolitismo e que toda cosmopolítica dependem de um devir-sensível, de alguma elaboração estética.

À primeira perturbação, que abala a hierarquia do olhar expressa por meio de termos como civilizados e primitivos, entre outros, está associada uma das tendências cruciais de todos os cinemas africanos, mesmo quando permanece subterrânea ou denegada: a descolonização, que é, como escreve Achille Mbembe, no livro Sortir de la grande nuit, uma “experiência de emergência e de insurreição” (“expérience d’émergence et de soulèvement”). Na segunda perturbação, que abala a economia das imagens na qual o africano e o negro tornam-se parte de uma espécie de vazio sedutor que multiplica as fantasias (conforme a situação psíquica ambivalente que Frantz Fanon se dedicou a analisar em Pele negra, máscaras brancas), é preciso reconhecer uma tendência suplementar à descolonização, mas irredutível a ela: a imaginação do comum e daquilo em que pode consistir a “comunidade descolonizada” (como escreve Mbembe), isto é, a comunidade que resta e a comunidade que vem da experiência dos “condenados da Terra” (tal como se pode entrever, igualmente, no livro homônimo de Fanon).

Os cinemas africanos constituem “uma atividade e uma experiência pós-colonial”, como argumenta Roy Armes, tanto no sentido de herdarem as estruturas do colonialismo (o pós-colonial como persistência da colonialidade, ali onde se encerraram as formas políticas governamentais de colonialismo) quanto no sentido de dependerem, em seu impulso originário, do transbordamento do colonialismo (o pós-colonial como o que vem depois do colonialismo e, portanto, a partir da descolonização). A inversão do olhar decorre, fundamentalmente, do ato de assumir as relações e as estruturas herdadas do colonialismo como recursos contra seus efeitos e sua persistência: a infra-estrutura de produção de filmes pedagógicos que passa ao controle dos Estados independentes e as relações com o espaço metropolitano que se prolongam após a independência (viagens de estudo, busca de financiamento, laboratórios para finalização etc.), por exemplo, tornam-se parte do que torna possível a existência dos cinemas africanos e de seu horizonte de transbordamento do colonialismo. Enquadramento estrutural e transbordamento projetivo, portanto: eis a dupla articulação da condição pós-colonial dos cinemas africanos.

Há uma outra forma de reivindicação do direito de olhar, de narrar e de imaginar o mundo que emerge da relação entre os cinemas africanos e a tarefa da descolonização, cujo sentido é o de um anseio de retorno a alguma condição africana originária, que se revela, paradoxalmente, um movimento inventivo. Aqui, a descolonização se prolonga como um projeto dos Estados e das sociedades civis africanas, e o cinema aparece como um dos aparelhos de recriação do mundo conforme três enquadramentos básicos: o enquadramento nacional, o enquadramento pan-africano e o enquadramento transnacional (seja nas formas do internacionalismo revolucionário ou dos cosmopolitismos dos direitos humanos ou do que Achille Mbembe define como afropolitismo).

Enquanto a inversão do olhar pertence ao momento propriamente anticolonial da descolonização e inscreve o cinema na luta pela independência política, o retorno às origens é, frequentemente, parte do processo de invenção dessas origens, isto é, de invenção das tradições dos Estados pós-coloniais e das sociedades que governam, inscrevendo o cinema em projetos políticos nacionais e, menos frequentemente, transnacionais. É o que está em jogo tanto na retomada de referenciais mitológico-religiosos e histórico-culturais africanos – o reencontro com tradições como os griôs, a reencenação de narrativas tradicionais etc. – quanto na aspiração à construção de uma nova mitologia e de uma nova perspectiva sobre a história por meio do cinema – a tentativa de conferir um sentido político ao cinema como griô, a produção de filmes com objetivos pedagógicos nacionalistas e/ou revolucionários etc.

Quando Med Hondo filma Soleil Ô, em 1967, parte da contundência dos planos em que interroga as heranças do colonialismo missionário e assimilacionista, bem como a situação dos africanos na Europa, decorre da inversão do olhar, como em Afrique sur Seine. Ao mesmo tempo, a narrativa diaspórica do filme envolve a encenação de um retorno traumático às origens, ou mais exatamente a uma fantasmagoria das origens que assume duas formas básicas: o peso da recusa da identificação do negro com a humanidade, por um lado, e a sua destinação ao cumprimento do papel de selvagem, por outro. À primeira forma corresponde um comentário contundente do protagonista do filme, num diálogo com um amigo parisiense branco, cuja encenação quebra a quarta parede por meio de um olhar direto para a câmera:

Parece que, para os brancos, há 3 tipos de seres vivos: há a espécie humana, há a espécie animal e, então, há os negros. Em todo caso, o que é certo é que a seus olhos, nós nunca somos realmente homens.

À segunda forma, corresponde a aparição do tema do sexo interracial na narrativa (e a correspondente demanda hipersexual que pesa sobre a figura do negro ao se relacionar com as fantasias brancas), assim como o desfecho perturbador reservado a seu protagonista, que passa pela relação com paisagens de natureza. e inclui um intenso monólogo em voz over:

Vocês são cúmplices de todos os crimes da Terra. Permitem a perpetuação da escravidão, dos assassinatos, do genocídio. Escolhem suas vítimas e seus carrascos segunda a cor de suas peles, conforme aceitem ou recusem suas políticas. Com um espírito sereno, vocês dormem tranquilos. Um agradável sentimento de boa consciência lhes envolve. Vocês se tornam brancos bons, negros bons. Todos compassivos. Todos bons cristãos. Mas vocês sabem que todo contato é interesse. Todo diálogo é mercadoria. Toda ajuda é investimento. Todo tempo é relação com o futuro. Toda verdade é comprável. O homem está morrendo diante dos seus olhos abertos, aniquilado, desprezado, rejeitado. África, África, África, África…

Tanto Afrique sur Seine quanto Soleil Ô deslocam a pretensão universalista que o discurso colonial atribui à experiência histórica europeia e que fundamenta todo o projeto humanista. Se há uma cosmopoética, isto é, uma forma de invenção estético-poética do mundo comum, em toda cosmopolítica, isto é, em toda forma de constituição jurídico-política do mundo comum, a tarefa da descolonização a que os cinemas africanos estão associados opera um movimento duplo: por um lado, a revelação dos limites da aspiração europeia ao universalismo, por meio da exploração das singularidades que escapam de seu enquadramento; por outro, a reinscrição da aspiração ao universalismo na perspectiva do que Achille Mbembe denomina afropolitismo e do que Glauber Rocha talvez tenha conseguido condensar, por meio de sua estética do sonho, na figura de Zumbi que ele compõe em Der Leone Have Sept Cabeças (1970). À descolonização como tarefa interminável, que se inicia com a inversão do olhar colonial, sucede o problema da “comunidade descolonizada” e da imaginação do comum a partir da perspectiva dos “condenados da Terra”, que aparece sob a forma paradoxal do retorno inventivo às origens.

Touki Bouki é, ao mesmo tempo, um inventivo retorno às origens e uma irreverente abertura de um espaço de experimentação.

Com Touki Bouki (1973), de Djibril Diop Mambéty, o paradoxo do retorno inventivo às origens assume uma forma ainda mais radical e irônica, por meio da referência à mitologia (à “jornada da hiena”, como explicita o título do filme em inglês) e à atividade do pastoreio. A inventividade de Mambéty decorre, em parte, do deslocamento dessas e de outras referências à tradição a partir do que se poderia caracterizar, em referência a Glauber Rocha, como uma articulação entre estética da fome e estética do sonho. O itinerário do pastor Mory, que dirige uma motocicleta adornada com os chifres de um touro, e da estudante universitária Anta, em busca de dinheiro para ir a Paris, envolve o encontro com figuras mais ou menos alegóricas – a feiticeira, o policial, o rico homossexual etc. – bem como a encenação de fantasias de poder bastante perturbadoras, como o desfile de Mory como se fosse um presidente e, mais adiante, de Mory e Anta como se fossem autoridades: o presidente e a primeira dama de uma nação sem país, de que o filme de Mambéty oferece um breve, irônico e melancólico vislumbre.

Quando o desfecho de Touki Bouki lança Mory e Anta em direções opostas – ele desiste da viagem a Paris logo antes de embarcar e volta correndo em direção à sua terra, enquanto ela continua em direção ao sonho que ambos idealizavam e que a conduzirá à vida em outras partes da Terra – o filme de Mambéty conduz o retorno inventivo às origens que o atravessa a uma espécie de abertura paradoxal, como se afirmasse, ao mesmo tempo, em relação à África, a necessidade de retornar e a necessidade de partir. Essa abertura paradoxal assume uma forma ainda mais interessante porque inverte as expectativas de gênero: é a mulher quem parte, quem recusa as raízes; é o homem quem retorna, quem permanece, quem não se desenraíza. No horizonte desse movimento, está em questão a duplicidade (frequentemente renegada ou dissimulada) de toda relação com a terra que se habita: por um lado, o pertencimento; por outro, a deriva.

Um dos momentos mais intensos da jornada de Mory e Anta em Touki Bouki é a sequência que parodia um desfile presidencial, mas é em seu final (imagens abaixo) que o filme condensa a interrogação fundamental que o atravessa, tanto em sua narrativa e seus temas quanto em seu estilo e em suas escolhas formais: a interrogação das formas de relação com a terra.

É da duplicidade ambivalente da relação de pertencimento e de deriva com a terra que decorre parte da contundência dos cinemas africanos, nos quais será sempre preciso reconhecer as marcas da diáspora. Três filmes mais recentes revelam a diversidade de sentidos que essa relação com a terra assume, e gostaria de terminar com um breve percurso por suas paisagens, para sugerir que a reivindicação do direito de olhar, de narrar e de imaginar o mundo que constitui o gesto fundamental dos cinemas africanos não deve ser reduzida a uma política da identidade (cultural, nacional, de gênero etc.) nem a uma política da representação (a luta em torno dos estereótipos, a busca da imagem positiva etc.). Esses três filmes pertencem, ademais, a três áreas culturais distintas, mas são atravessados pela mesma busca de uma cosmopoética do comum que torne possível ir além da descolonização como horizonte estético-político dos cinemas africanos: La vie sur terre (1998), de Abderrahmane Sissako (área francófona), Terra sonâmbula (2007), de Teresa Prata (área lusófona), e Pumzi (2009), de Wanuri Kahiu (área anglófona).

Seria preciso articular uma compreensão mais detalhada de cada uma dessas obras, assim como das outras que citei e de toda a história dos cinemas africanos, mas gostaria de encerrar o breve itinerário que me foi possível construir aqui com algumas observações sucintas sobre algumas das principais formas que pode assumir o tema da terra, da relação com a terra em termos de pertencimento (local, circunscrito) e deriva (translocal, global). Se La vie sur terre é um filme de regresso e, nesse sentido, complementa o movimento diaspórico que inaugura os cinemas africanos (em Afrique sur Seine, por exemplo) com um movimento de retorno interrogativo (mas de forma alguma assertivo), sua articulação do tema da relação com a terra passa por um interesse no problema da comunicação e da incomunicabilidade: a carta endereçada ao pai, que abre o filme; os trechos do Cahier d’un retour au pays natal e do Discours sur le colonialisme, de Aimé Césaire; as emissões de rádio, ora vindas da França, ora da estação local; o escritório dos correios de Sokolo, em cujo centro está um telefone que nem sempre cumpre seus objetivos comunicativos. O pertencimento e a deriva dependem da comunicação, e sua condição paradoxal é a incomunicabilidade que os estrutura: o mundo comum é, fundamentalmente, um mundo de incomunicabilidade e, portanto, de busca de condições (infra-estruturais, existenciais, poéticas) de comunicação, isto é, de tornar comum, de devolver a experiência humana à esfera do comum.

Terra sonâmbula é, sobretudo, uma exploração das possibilidades estéticas e poéticas da experiência do cinema como sonho desperto e como abrigo da esperança que resta, em meio à devastação da guerra, de suas heranças e de sua memória.

Enquanto Sissako afirma uma cosmopoética da fragilidade, como discuti em outro lugar, encontrando na incomunicabilidade um universal possível da vida sobre a terra, Terra sonâmbula assume o risco poético da reivindicação do direito de olhar, de narrar e de imaginar o mundo a partir da experiência e da memória da guerra civil em Moçambique. Em parte por ser uma adaptação do livro homônimo de Mia Couto, o filme de Teresa Prata apresenta a realidade moçambicana por meio de uma alegoria fantasiosa em dois tempos: o menino Muidinga e o velho Tuahir caminham em busca do mar, enquanto Muidinga lê o diário que encontrou junto a um cadáver na beira da estrada, e vemos a história que conta. Entre os dois tempos da alegoria, os dois encontram uma série de personagens que representam os efeitos e as heranças da guerra, até que o filme articula um sentido de esperança em meio à devastação. O trauma da guerra civil é abordado por meio dos delírios que compõem a alegoria poética de Terra sonâmbula, e se o sono e o sonho da razão produz monstros, o sono e o sonho da terra produz figuras do mundo comum que se perde, interminavelmente, na incomunicabilidade radical da guerra e de suas heranças.

Assista Pumzi (2009), de Wanuri Kahiu, e sua exploração futurista do tema da relação com a terra – que não é, aqui, nem terra pátria, nem desterro, mas a experiência planetária da terra devastada.

Quando Wanuri Kahiu filma Pumzi (2009), a terra não é nem o lugar do pertencimento perdido a que se pode regressar e que se deve interrogar, como em La vie sur terre, nem o lugar da devastação, de que não é possível escapar senão pelo delírio e pelo sonho, como em Terra sonâmbula. A ficção científica de Kahiu confere ao tema da relação com a terra um sentido que se costuma associar às preocupações do ambientalismo, por um lado, e às imagens do fim do mundo e de situações pós-apocalípticas que abundam no gênero, por outro. Em Pumzi, vemos o que sobrevive do planeta depois de uma Terceira Guerra Mundial, a guerra da água. O mundo comum está reduzido a um conjunto de protocolos estritos e a um controle rigoroso do corpo de cada indivíduo, de sua fisiologia e até mesmo de seus sonhos, que são contidos por drogas. A busca de uma faísca de vida que possa desencadear a renovação da paisagem desértica em que se converteu o planeta dá à figura de Asha, a protagonista, seu sentido dramático, seus objetivos narrativos e sua singularidade, num contexto diegético em que tudo parece funcionar maquinalmente, sem questionamento, sem indecisão, sem dúvida, em suma, sem vida. Algo da esperança melancólica que define o desfecho do filme – em que Asha morre para se converter em uma árvore no meio do deserto – parece anunciar que, atualmente, toda forma de imaginação do comum deve passar pelo reconhecimento da implicação de cada um de nós e de cada um dos fios que compõem nossa época num mundo comum em desaparição. Ali onde La vie sur terre canta, com a escrita poética de Aimé Césaire, a humanidade comum que é preciso construir a cada dia, contra o racismo; ali onde Terra sonâmbula enaltece, com a escrita poética de Mia Couto, as possibilidades do sonho e o sentido utópico que pode resguardar alguma redenção em meio a tempos tão sombrios; ali onde os cinemas africanos entrelaçam, enfim, a descolonização e a imaginação do comum, Pumzi assinala uma necessidade suplementar: a necessidade de interrogar a humanidade e o sonho em sua relação com o mundo que nos resta.

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